Wallace Sampaio
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RERCT: era um Filme ou uma Fotografia?

Como sabemos no dia 31/10/2016 se encerrou o prazo para a regularização ou repatriação dos ativos mantidos no exterior, por pessoa física ou Jurídica, conforme previsão da Lei nº 13.254/2016. É que a mesma visou a “Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País,” e de bônus concedeu anistia as condutas tipificadas pelo Direito Penal, além de afastar multas, mora e correções monetárias pelo descumprimento das obrigações principais e acessória Tributárias.

No entanto, logo que houve a sua publicação instaurou-se uma grande insegurança uma vez que, embora de fato seja vantajoso àqueles que mantêm valores no exterior, principalmente pelos acordos que o Brasil passou a celebrar – Tax Information Exchange Agreement (TIEA) – possibilitando a busca de informações para barrar as evasões de divisas, a lei não era clara o suficiente e por sua vez, a Receita Federal buscou um posicionamento pouco agradável.

Isto porque, regeu, majoritariamente, a seguinte dúvida: quando do pagamento, que deverá ter sua base de cálculo verificada no dia 31/12/2014, será o valor de bens e ativos existentes nesta data ou deverá ser feita uma análise retrospectiva? Ou seja, será um retrato daquela data ou será um Filme baseado naquela data?

A Receita Federal mediante sua resposta nº 39 deixou claro que: “Quem desejar estender integralmente os efeitos da lei aos bens e às condutas a eles relacionados, deverá informar tanto a parte do bem remanescente em 31 de dezembro de 2014 como a parte consumida.”.

Significa dizer que embora inexista na data escolhida pelo legislador – 31/12/2014 – qualquer ativo, deverá o contribuinte recolher o Imposto de Renda e a multa sobre o valor que possuía antes desta data, caso deseje se beneficiar das anistias previstas nesta lei.

Ela fundamenta esta esquizofrenia no artigo 4º da citada Lei que determina a necessária “descrição pormenorizada dos recursos, bens e direitos de qualquer natureza de que seja titular em 31 de dezembro de 2014 a serem regularizados, com o respectivo valor em real, ou, no caso de inexistência de saldo ou título de propriedade em 31 de dezembro de 2014, a descrição das condutas praticadas pelo declarante que se enquadrem nos crimes previstos no § 1o do art. 5o desta Lei e dos respectivos bens e recursos que possuiu.”

Para se ter ideia do tamanho da repercussão deste item, basta verificar que o mesmo ainda possui 4 notas explicativas, sendo sua última a indicação do parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

Esta interpretação parece ir além do que a própria lei. A norma não determina a obrigação de recolhimento de Imposto e Multa sobre inexistência de recursos, apenas determina que deverão ser listadas as condutas e descrever os bens que possuiu, ou seja, para que haja a anistia é necessário conhecer das específicas condutas, as quais por via de consequência estavam atreladas a bens.

Conjugado a esse entendimento da Receita Federal, a Lei, como é de costume quando se trata de benefícios, condicionou sua adesão à confissão irrevogável e irretratável dos débitos.

Portanto, de fato, se o objetivo era a arrecadação – e era -, a Receita Federal soube muito bem utilizar sua interpretação sobre a lei para fins de direcionar os contribuintes a uma arrecadação maior, pois se utilizava do filme para apurar a base de cálculo.

Não é por menos que no dia 01/11/2016, a Receita Federal divulgou que o resultado do programa da Regularização de Ativos mantidos no Exterior foi de R$ 50,9 bilhões em imposto de renda e de multa, conforme noticiado pelo Valor Econômico.

E no mesmo dia, em que pese ter ressaltada a falta de clareza da lei, o Presidente do Senado, Renan Calheiros, observando a alta arrecadação informou que apresentará um novo projeto de lei para 2017, com o mesmo objeto.

Desta forma, aos que não se submeteram até o dia 31/10/2016 a repatriação de recursos mantidos no exterior, ao que parece, poderão se utilizar de uma nova lei em 2017, que será proposta, pelo Presidente do Senado e do Congresso Nacional. Já quanto aos contribuintes que aderiram a esta norma com péssima redação e, principalmente pela coerção indireta da Receita Federal, mediante seu claro posicionamento arrecadatório, sobra buscar o Judiciário, caso desejem, para afastar a confissão e determinar que o imposto de renda e a multa não sejam sobre o filme, mas sobre a fotografia, o que autorizaria a restituição dos valores pagos a maior.

 

Aurelio Carlos de Souza Junior é Advogado e Sócio do Escritório Jurídico Wallace Sampaio Advogados e Consultores. Pós-Graduado em Direito Tributário, com especialidade em Contabilidade Tributária e Planejamento Tributário, e membro do Grupo de Debates Tributários – GDT-RIO e da Sociedade Brasileira de Direito Tributário – SBDT.

Fonte: http://mrnews.com.br/