Wallace Sampaio
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Juiz declara lícita terceirização de serviços de teleatendimento a clientes de cartões de crédito do Bradesco

Com edição da lei 13.429/2017 (Lei da Terceirização) não há como prevalecer o entendimento sobre a ilicitude da terceirização de serviços de operação de telemarketing no segmento bancário, que tinha respaldo nas súmulas 331 do TST e 49 deste TRT. É que a nova lei autoriza a contratação de serviços terceirizados específicos, seja em atividade-meio, ou em atividade-fim da empresa contratante, diferenciação que, inclusive, deixou de existir com a nova lei, levando ao cancelamento dessas súmulas jurisprudenciais. A decisão é do juiz Marco Aurélio Marsiglia Treviso, da 1ª Vara do Trabalho de Uberlândia, que, revendo entendimento anterior, considerou lícita a terceirização de serviços de atendimento a clientes de cartão de crédito do grupo Bradesco através do sistema de telemarketing.

No caso, a ação trabalhista foi ajuizada por uma trabalhadora que pretendia o reconhecimento do vínculo de emprego com o Banco Bradesco, inclusive com a declaração da sua condição de bancária para recebimento dos direitos da categoria. Ela havia sido admitida por uma empresa especializada no ramo de telemarketing (Algar Tecnologia e Consultoria S.A.) que, portanto, era sua empregadora formal. Mas desenvolvia suas atividades de atendimento a clientes de cartão de crédito em benefício do Grupo Bradesco, no sistema de telemarketing, em razão de contrato de prestação de serviços celebrado entre as empresas. Com base na nova Lei da Terceirização, o magistrado concluiu pela licitude da terceirização dos serviços realizada entre as empresas e, assim, rejeitou os pedidos da trabalhadora.

Normatização anterior já autorizava – Na visão do juiz, mesmo antes da nova lei da terceirização, todo o ordenamento jurídico já apontava para a possibilidade de terceirização de atividades específicas, ainda que diretamente ligadas àquilo que se denominava de atividade-fim. Para exemplificar, o magistrado citou os seguintes dispositivos legais:

o artigo 455 da CLT, que autoriza expressamente a empreitada e a subempreitada na construção civil;

o artigo 94 da Lei 9.472/1997 (Lei Geral da implementação de projetos associados Telecomunicações), que prevê a terceirização das atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço e a implementação de projetos associados;

o artigo 25, parágrafo 1º da Lei 8.987/95 (Lei de Concessão e Permissão de Serviços Públicos), que autoriza a terceirização das atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, assim como a implementação de projetos associados

a Resolução 3110/2003 do Banco Central, que dispõe sobre a contratação pelas instituições financeiras de empresas, integrantes ou não do Sistema Financeiro Nacional, para o desempenho das funções correspondentes no País, que expressamente autoriza a terceirização de atividades ligadas à recepção e encaminhamento de propostas de emissão de cartões de crédito, assim como a execução de serviços de cobrança e outros serviços de controle, inclusive processamento de dados das operações pactuadas.

Além disso, o julgador ponderou não haver lei alguma que vede a terceirização de serviços específicos, tais como os relacionados à operação de telemarketing. E, nas palavras do juiz: No campo do direito privado, não se pode esquecer que tudo aquilo que não é proibido é permitido (princípio da legalidade nesta esfera). O que sempre existiu foi apenas e tão somente um entendimento jurisprudencial (a Súmula 331 do TST) que reconhecia a ilicitude da terceirização da atividade-fim. E é exatamente neste entendimento que se baseia o pedido do reclamante, que, entretanto, em razão da nova lei das licitações, não pode mais ser adotado.

O magistrado prosseguiu ressaltando que o cancelamento da Súmula 331 do TST (e, por consequência, da Súmula 49 do TRT/MG) é indiscutível, até porque o entendimento ali contido contraria todo o conjunto de normas que regulamentam a matéria, além de ter sido superado pela nova lei de licitações (Lei 13.429/2017). Se até então havia dúvidas sobre licitude da terceirização de serviços de telemarketing para atendimento de clientes de cartão de crédito bancário, como ocorreu no caso, com o advento da Lei 13.429/2017 isso deixou de existir, porque a lei é clara quanto à possibilidade de terceirização dos serviços, ainda que em atividade-fim, destacou.

Aplicação da nova regra e o princípio da irretroatividade da lei – O julgador lembrou que o entendimento sobre a licitude da terceirização dos serviços de telemarketing realizada pelo grupo Bradesco não significa a aplicação retroativa à Lei 13.429/2017. Isso porque, no pensar do magistrado, essa lei apenas reforça o convencimento de que o entendimento exposto na Súmula 331 do TST e na Súmula 49 do TRT/MG (sobre a ilicitude da terceirização) estava absolutamente equivocado, no plano jurídico, no que diz respeito à diferenciação entre atividade-fim e atividade-meio. Pelo menos desde 1995, a contratação de empresas específicas para a realização de atividades inerentes, acessórias e complementares a qualquer serviço já era expressamente autorizada por lei, jamais declarada inconstitucional pelo STF, ressaltou o juiz. Nesse contexto, segundo o julgador, a lei 13.429/2017 apenas conferiu um caráter de generalidade àquilo que, em setores específicos da economia, já era expressamente autorizado, inclusive, no âmbito bancário (por força da Resolução 3110/2003 do Banco Central).

Para reforçar seu raciocínio, o magistrado destacou que, no Direito Penal, é pacífico que a lei possui aplicação retroativa quando torna lícita uma conduta que, até então, era considerada ilícita, exatamente o que ocorreu no caso, em que a lei 13.429/2017 simplesmente tornou lícita a terceirização de atividades que, até então, eram consideradas ilícitas. E isso se dava por mero entendimento jurisprudencial, embora a existência de normas em sentido diverso do entendimento disposto na Súmula 331 do TST seja fato inquestionável, ponderou, na sentença.

Por tudo isso, concluiu o magistrado, não há mais como entender que a terceirização dos serviços prestados pela reclamante, ligados à operação de telemarketing no segmento bancário, seria ilícita.

Vantagens da categoria bancária negadas – A operadora de telemarketing pediu ainda que, caso não reconhecido o vínculo de emprego com o Banco, como de fato aconteceu, fossem conferidas a ela as vantagens previstas nas CCTs dos bancários, invocando o princípio da isonomia, nos termos do artigo 12, alínea a, da Lei 6.019/74. Mas esse pedido também foi rejeitado na sentença. Isso porque, conforme registrou o juiz, o artigo 12 da Lei 6.019/74 foi expressamente vetado e, assim, a norma foi revogada e deixou de existir no mundo jurídico.

Mas, mesmo que tivesse sido diferente, o magistrado lembrou que, de acordo com a OJ 383 da SDI-1 do TST, os trabalhadores terceirizados somente teriam direito às mesmas verbas trabalhistas asseguradas aos empregados do tomador dos serviços (pelo princípio da isonomia), se houvesse igualdade de funções. Ou seja, a aplicação do princípio da isonomia depende expressamente da existência do requisito da identidade funcional, também previsto no artigo 461 da CLT, destacou o magistrado. E, no caso, como verificou o juiz, a reclamante não exerceu atividades e/ou funções idênticas àquelas exercidas pelos empregados das instituições bancárias, já que não manuseava valores em espécie, ou realizava operações mercantis específicas (DOC, TED, Leasing, CDC), como também nunca prestou serviços dentro de agências bancárias. A identidade funcional entre os operadores de telemarketing e os empregados das instituições bancárias e/ou financeiras é algo inexistente, destacou, na sentença.

Prosseguindo nos fundamentos de sua decisão, o juiz registrou que o princípio da isonomia, ao pé da letra, autoriza tratar os desiguais de forma desigual, na exata medida de sua desigualdade. E, para ele, no caso, a situação de desigualdade é tão evidente que, no âmbito sindical, as empresas prestadoras de serviço e os operadores de telemarketing possuem categorias econômicas e profissionais específicas, com regulamentação própria, como se nota pelas normas coletivas apresentadas. Trata-se, portanto, de categoria profissional diferenciada, devidamente regulamentada, com sindicato de classe próprio destinado à conquista da melhoria da condição social dos trabalhadores integrantes desta categoria, frisou o juiz, concluindo que não se aplicam à operadora de telemarketing as normas convencionais do seguimento bancário e/ou do sistema financeiro. Por tudo isso, os pedidos da reclamante foram rejeitados na sentença. A trabalhadora apresentou recurso, que se encontra em trâmite no TRT-MG.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região