A Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10) reconheceu a existência de trabalhadores em condições análogas à de escravos em uma propriedade rural denominada “Destilaria Araguaia”, localizada no município de Confresa, em Mato Grosso. Com isso, os desembargadores decidiram manter o nome da Zihuatanejo do Brasil Açúcar e Álcool S.A. no cadastro de empregadores – conhecido como “Lista Suja do Trabalho Escravo” – instituído pela Portaria Interministerial nº 2 de 2011.
Conforme informações dos autos, em outubro de 2009, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) visitou a usina de propriedade da Zihuatanejo do Brasil Açúcar e Álcool S.A e emitiu diversos autos de infração, que culminaram na inclusão do nome da empresa na “Lista Suja do Trabalho Escravo”. O grupo constatou trabalhadores migrantes com salários em atraso de até seis meses consecutivos, o que os impedia de arcar financeiramente com os custos do retorno às suas cidades de origem. Também foi identificada ausência de alojamento para todos empregados e, por isso, muitos trabalhadores estavam habitando moradias em condições degradantes.
De acordo com o relatório do Ministério do Trabalho, as condições em que os trabalhadores foram encontrados eram precárias, “não propiciando um ambiente salubre para abrigar seres humanos”. No documento, os fiscais relataram que as moradias, em geral, possuíam pé direito baixo, com cobertura de amianto, comprometendo o conforto térmico dos moradores. Muitas dessas coberturas estavam quebradas, propiciando gotejamentos em dias de chuva. As paredes eram de tijolo aparente, com rachaduras. Não havia separação dos cômodos, nem portas, pouca iluminação e ventilação, mobília improvisada, bem como pertences espalhados pelo chão.
Em sua defesa, a empresa dona da propriedade rural negou a submissão de seus empregados à condições análogas à de escravos e alegou incapacidade financeira para para pagar os salários e verbas rescisórias dos trabalhadores. A Zihuatanejo do Brasil Açúcar e Álcool pontuou ainda que não impediu o uso de meio de transporte pelos empregados que desejavam retornar para suas cidades. Ao analisar o caso, o juízo da 22ª Vara do Trabalho de Brasília entendeu que não ficou caracterizado o trabalho em condição análoga à de escravo prevista no artigo 149 do Código Penal, principalmente, em relação à restrição de locomoção.
Inconformada com a sentença, a União recorreu ao TRT-10 para manter o nome da empresa no cadastro da Portaria Interministerial nº 2 de 2011, sob o argumento de que o cerceamento da liberdade dos trabalhadores se deu por meio de coação econômica, perante o extenso período de atraso salarial. Para o Ministério do Trabalho, os empregados estavam impossibilitados de arcar financeiramente com os custos do retorno aos seus locais de origem. A falta de dinheiro e de alojamento para todos, também teria levado a maior parte deles a morar em habitações degradantes.
O relator do processo na Segunda Turma, desembargador Mário Caron, pontuou em seu voto que qualquer trabalho que não reúna as mínimas condições necessárias para garantir os direitos do trabalhador deve ser considerado trabalho em condição análoga à de escravo. Segundo ele, o contraponto do trabalho escravo moderno está nas garantias constitucionais da dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, na proibição de tratamento desumano ou degradante, na função social da propriedade, na ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e livre, bem como na exploração da propriedade rural que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
“Em que pese o artigo 149 do Código Penal mencionar a restrição de locomoção aliada a endividamento, por ser a situação mais comum no trabalho escravo moderno, o certo é que o bem maior ali tutelado é a liberdade de locomoção, até porque se trata de direito fundamental de todos os cidadãos brasileiros. No caso dos autos, o Grupo Móvel e Fiscalização constatou na propriedade autora, dentre outras questões, embora já houvesse medida judicial determinando a rescisão indireta imediata dos contratos com os trabalhadores migrantes, com o consequente pagamento das verbas rescisórias, muitos não haviam sido efetivadas”, observou o magistrado.
Na fundamentação de seu voto, o relator lembrou também que os atos administrativos derivados do exercício do poder de polícia da administração gozam de presunção de legitimidade e de veracidade. Para afastar esse atributo jurídico, é necessário prova consistente. Entretanto, as testemunhas ouvidas no processo confirmaram a versão do Ministério do Trabalho, de que a empresa arregimentava trabalhadores no Maranhão e os conduzia para sua sede em Mato Grosso. Para o desembargador Mário Caron, a prova é clara no sentido de que os trabalhadores tiveram restrição em seu direito de ir e vir em razão da inadimplência do empregador.
“Vilipendia a dignidade da pessoa humana a submissão do trabalhador ao contexto oferecido pela autora à época da fiscalização: a inadimplência salarial por longo período que acarretou a limitação do direito de locomoção dos trabalhadores arregimentados no estado do Maranhão para trabalhar na cidade de Confresa, no Mato Grosso, que não possuíam disponibilidade financeira para arcar com os custos do transporte para retornar à localidade de origem. Essa situação parece suficiente para sustentar a autuação providenciada pelo Grupo Móvel, bem como a inclusão do nome da autora na denominada lista suja”, concluiu o desembargador.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região